Tecido: Arte Têxtil e Fontes do Desenho Têxtil
Tecido: Arte Têxtil
A arte têxtil está desde a sua origem comprometida indissoluvelmente com as técnicas de produção e as possibilidades que estas vão oferecendo. Durante milénios só existiram tecidos na cor natural das fibras de que eram feitos, sendo o uso da cor relativamente recente em termos da história da humanidade.
No Egipto encontraram-se tecidos com partes coloridas do ano 2500 a.C. e da civilização lacustre da Suíça fizeram-se alguns achados de tecidos tintos. Mas também as civilizações Mesopotâneas têm os seus tecidos de cor, tintos quer com plantas quer com produtos animais. Na Bíblia encontram-se numerosas referências a tecidos de cor “púrpura violeta”, “púrpura escarlate”, “carmesim”, “vermelho” e “azuis”.
Fig. Colecções de Tecidos Outono/Inverno
Fig. Colecções de tecidos para Primavera/Verão
Mas também na Índia e na América do Sul, embora muito mais tardiamente, se tingiam tecidos utilizando como corantes substâncias extraídas de plantas e de animais.
Assim, a cor amarela era dada por uma amora persa, o escarlate pelo insecto Kermes llicis, o púrpura pelo molusco Murex, o azul pelas folhas do lsatis Tinctoria ou do lndigo, existindo uma enorme variedade de plantas usadas para dar cor aos tecidos. Também algumas substâncias minerais são empregues como matérias corantes principalmente para obter o preto, o amarelo e cores escuras.
A aplicação de corantes naturais não era uma tarefa fácil, antes necessitava de muita experiência, quer na procura e selecção das matérias adequadas, quer no seu tratamento, quer na sua aplicação. Algumas, como o Murex oriundo das costas da Fenícia, ou o índigo da Índia, atingiam preços elevadíssimos pela dificuldade de obtenção e qualidade das cores que produziam.
As substâncias corantes deveriam ser solúveis em água, no que se distinguiam dos pigmentos, para penetrarem nas fibras têxteis e nelas se fixarem.
Fig. Colecções de tecidos para camisaria
Esta fixação é de facto decisiva (ainda hoje) para a qualidade e durabilidade do tingimento. Para melhorar a fixação desenvolveram-se técnicas de mordentagem, usando cinzas, urina e sais minerais conforme o corante e a matéria têxtil em tingimento. De facto hoje sabe-se que a técnica de mordentagem consiste numa ligação iónica entre a fibra e o corante, resultando uma boa solidez da cor obtida, quer á luz quer à lavagem.
Nas civilizações orientais onde a arte têxtil mais cedo floresceu, logo se desenvolveu a profissão de tintureiro que na Europa, durante a Idade Média, viria a adquirir verdadeira força social, agrupando-se os tintureiros em associações conforme o tipo de matérias corantes e as técnicas usadas.
Havia os tintureiros só de preto (o preto não era sinal de luto mas sim de luxo), os de “arte elevada”, que tingiam as cores mais difíceis e caras e os de “arte baixa” que só retingiam peças de vestuário usadas.
Mas a arte dos tecidos desenvolveu-se primeiramente na China e na índia: a arte das sedas pintadas na China, a arte dos algodões impressos na índia. Os tecidos valorizados por estes métodos atingiam os mercados europeus a preços sumptuários durante a Idade Média, o mesmo acontecendo a outro tipo de tecidos: os brocados e os damascos cuja decoração é produzida pela arte da tecelagem usando fios previamente tintos e mesmo fios metálicos de ouro e prata. As sedas chinesas chegavam a Veneza, a Constantinopla ou a Moscovo, em caravanas de camelos e cavalos pela chamada “Rota da seda”, longuíssimo trajecto desde o extremo oriental da China até ao Mediterrâneo, através da Ásia Central. A morosidade e os acidentes do percurso tornavam as sedas ainda mais raras e caras para os Europeus em cujas Cortes e Casas Nobres elas se tornavam indispensáveis.
Fig. Gravura do séc. XVIII mostrando uma tinturaria da época
Assim vários viajantes ocidentais, procuraram informações sobre a seda e a sua produção mas foram dois monges, agindo como espiões para o Imperador Justiniano de Constantinopla que no ano 550 d.C. trouxeram alguns casulos de Bombix Mori escondidos nos seus bordões de bambú. Daí nasceu a produção da seda em Itália e mais tarde na Provença.
Curiosamente foi também nessa época que a seda chegou ao Japão, terminando assim o segredo imperial chinês do seu cultivo, que durara mais de 20 séculos e fizera a riqueza de tantas dinastias!
A técnica dos algodões impressos na Índia espalha-se também pelo norte de África e pela Europa durante a baixa Idade Média, usando-se então gravuras planas de madeira, com o desenho a estampar em alto relevo, constituindo placas a que se chama “estampilhas” ou “blocos”. Aos blocos planos gravados sucedem-se os rolos de madeira que permitem a impressão de desenhos contínuos e que provavelmente são de invenção árabe, durante o século XVI ou XVII. Ë posteriormente usada a técnica da gravura metálica plana, aberta a ácido e, já no começo do século XX, adapta-se como mais rigorosa e económica, a técnica “silk-screen” para a estampagem de tecidos. Entretanto a arte dos tecidos evolui através de estilos e modas, geralmente importados do oriente mas logo transformados e adaptados ao gosto ocidental e às diferentes correntes artísticas que, desde a Idade Média aos nossos dias, foram construindo e caracterizando a cultura Europeia. Por seu lado os tecidos com desenhos produzidos pelo debuxo, isto é, pelo diferente entrecruzamento dos fios, encontra no tear Jacquard (1801) o culminar de toda uma lentíssima evolução desde o tear chinês primitivo, passando pelo tear de licetas medieval europeu, usado em Itália e em Lion (França). O tear Jacquard, comandando o levantamento individual dos fios da teia através duma cadeia de cartões perfurados, colocada no alto do tear, é a máquina que, a par da fiação mecânica (Jenny) de James Hardgreaves em 1764 e do tear mecânico de Edmund Cartwright patenteado em 1785 e 1786, fazem da produção de têxteis um dos pilares da transformação social e económica a que se chama a primeira revolução industrial. São de facto inventos mecânicos deste tipo que produzem o arranque inicial para que a sociedade moderna se possa desenvolver, acelerando a produção e baixando o preço unitário do tecido e possibilitando o uso de têxteis de qualidade por um número cada vez maior de indivíduos.
Este rápido esboço da evolução da Arte Têxtil teve por fim perspectivar um conjunto de questões que inevitavelmente se colocam ao considerarmos, a uma luz contemporânea, as relações entre dois ramos do saber que cada vez mais se tornam complementares: a arte e a ciência quando encarados numa óptica de pesquisa, de inovação e de transformação social. Se é certo que durante milénios se teceu manualmente e se tingiu usando exclusivamente matérias naturais, também é certo que a aceleração da investigação científica dos últimos 150 anos alargou enormemente, não só as possibilidades criadoras na produção têxtil, como contribuiu para modificar o nosso modo de relacionamento com os objectos têxteis que, dia a dia, nos rodeiam e envolvem, em casa, no trabalho, no desporto, em todas as formas de vestir e de convívio social. Tais modificações são tão profundas que hoje poderemos verificar que a nossa percepção das cores e a nossa concepção da utilização dos tecidos foi e é, dia a dia, profundamente influenciada pela relação entre o mundo da Arte Têxtil e da Ciência Têxtil. As áreas da química da cor e da tinturaria, assim como a invenção e produção de fibras têxteis não-naturais, são dois campos privilegiados para a investigação sócio-cultural dessas modificações.
Tecido: Fontes do Desenho Têxtil
Na sua aplicação á concepção e/ou criação de tecidos devemos pois atender a uma complexa rede de estímulos e informações de que o designer pode lançar mão mas que ele próprio deve ser capaz de seleccionar e eleger perante as necessidades objectivas dum trabalho a realizar.
Fig. Tecidos “modern style”
Fíg.-A Tecidos ‘modern style” para decoração
Essa informação dita estética, a que chamarei “fontes do desenho têxtil”, pode ser sistematizada assim:
—fontes individuais
—fontes naturais
—fontes culturais
—fontes abstractas
As fontes individuais residem na pesquisa de pendor interiorista e psicológico das preferências colorísticas e formais dos indivíduos, procurando evidenciá-las através de métodos projectivos em que o “acaso” representa um factor operacional decisivo.
A produção casual de manchas, o uso instintivo de cores, o automatismo no desenho, poderão ser vias a explorar. Uma posterior crítica dessas manchas, combinações de cores e desenhos é indispensável, procurando encontrar motivos formalizáveis, que se adaptarão à construção de padrões têxteis, com uma finalidade conhecida.
As fontes naturais consistem no aproveitamento de elementos da natureza ou de elementos urbanos e humanos, que serão sujeitos a um tratamento de formalização e combinação apropriados. Mas não só as folhas, as flores, as casas, as pessoas, serão motivos ou pontos de partida.
Uma pesquisa mais profunda e original de novas formas pode ser feita através de técnicas de descoberta, a partir, por exemplo, de cortes feitos em frutos, ou até da observação microscópica de elementos vegetais e animais.
As fontes culturais podem encontrar-se no estudo das obras de arte, quanto às cores dominantes e mesmo quanto ao desenho. Um quadro poderá assim servir de base para o desenvolvimento de vários tecidos ou padrões.
Também a pesquisa etnográfica das características de uma região podem servir de base, estudando-se então as cores e formas dominantes na arte popular, nomeadamente de tecelagem ou tapeçaria popular que por ventura existirem.
O estudo de tecidos primitivos das diferentes civilizações é também outra fonte muito importante, assim como dos períodos das modas antigas ou até mais recentes.
As fontes abstractas estão ligadas a qualquer dos três tipos anteriormente referidos, tendo-se em conta que a geometria plana fornece uma gama enorme de possibilidades estruturais que se adaptam facilmente a desenhos geométricos simples, perfeitamente reprodutíveiS por meios mecânicos limitados, como por exemplo a tecelagem.
Por tudo o que ficou dito quanto à função estética se torna óbvio que ela é factor decisivo naquilo a que se chama moda.
Fig. Evolução da estilização do motivo floral típico de caxemira: a palmeta
Fig. Interpretação actual do motivo de caxemira. Tecido estampado.
Fig. As fontes culturais: em cima –quadro de Mondrian (geométrico abstracto) e sua apropriação pela moda. Em baixo –quadro de Pallok e casaco de senhora com um motivo nele inspirado.
Fig Tecido OP dos anos 60
Um Caso de Pesquisa de Fontes Culturais: O Azulejo Português
Pode estabelecer-se uma relação interdisciplinar entre o desenho do azulejo e o desenho têxtil se tomarmos em consideração tanto as suas semelhanças que residem principalmente de em ambos os casos se tratar de desenho modular, como as suas diferenças que consistem em diferentes maneiras de repetição do módulo e obviamente no diferente uso a que se destinam.
Com o objectivo de estudar esta possível relação desenvolveu-se uma pesquisa criativa que a seguir se relata. O trabalho foi realizado por um grupo constituído por 6 ex-alunas de desenho têxtil da Escola António Arroio (Adelaide Borges, Beatriz Martins, Catarina Gonçalves, Clara Afonso, Júlia Vareda e Teresa Cortez) sob a orientação de E. M. de MeIo e Castro e beneficiou de um subsídio de trabalho do Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian. Os trabalhos realizados foram expostos no Centro de Arte Moderna em Julho de 1986.
1) OBJECTIVO:
Apresentar propostas inovadoras de Desenho Têxtil com características estéticas marcadamente portuguesas mas susceptíveis de corresponder ao gosto internacional. Trata-se de conceber objectos têxteis de uso corrente para vestuário, para a casa ou com finalidade puramente estética, nos parâmetros da concorrência internacional, dentro da qual trabalha a indústria têxtil portuguesa. Deve pois ter-se em vista a funcionalidade e a economia dos recursos, quer técnicos quer estéticos, dentro de um equilíbrio capaz de interessar à classe média europeia. No entanto não deve ser esquecido que o Desenho Têxtil é um valor acrescentado que, embora se dirija a uma clientela internacional, se tem verificado que, quanto mais caracteristicamente original e inovador, mais é capaz de corresponder às exigências da concorrência.
Deve no entanto levantar-se o problema do que sob o ponto de vista estético deverá ser considerado como “português”, sendo de evitar o «regionalismo», o «folclorismo» e o «nacionalismo» dos motivos que, em termos de desenho, são em si próprios noções restritivas.
Nestes termos procurar-se-ão fontes criativas que correspondam a períodos culturais de intensa criatividade, bem marcados na história cultural portuguesa e cujas formas foram desenvolvidas e praticadas por artistas portugueses.
Desde logo se impôs o estudo do azulejo como arte caracteristicamente portuguesa ao longo de mais de quatro séculos e na qual confluíram importantes factores internacionais vindos do mundo Islâmico, do sul de Espanha, da Itália e da Flandres. No entanto a azulejaria portuguesa ganhou foros de uma autenticidade e originalidade que a tornam reconhecível como portuguesa em qualquer parte do mundo.
Ao escolher o azulejo português como fonte de trabalho para um projecto de renovação do Desenho Têxtil, transpondo a linguagem plástica específica da azulajaria para a linguagem plástica específica dos objectos têxteis, iniciamos o que se pode chamar um movimento circular de universalização da sua estética através de um outro meio. De notar ainda a forte influência que o Desenho Têxtil exerceu no desenho de azulejo, o que portanto reforça as conexões entre estes dois meios de expressão plástica ligados à utilização pragmática.
2) PESQUISA:
O trabalho inicia-se por uma pesquisa de fontes bibliográficas e por visitas seleccionadas para reconhecimento «in loco» e recolha fotográfica das principais peças da azulejaria portuguesa dos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX e XX.
Seguir-se-á o estudo analítico das formas, tendo em atenção as características da repetição dos módulos e do seu arranjo combinário.
3) REALIZAÇÃO DO TRABALHO:
Uma vez recolhida esta informação geral trata-se de desenvolver propostas de Desenho Têxtil com objectivos práticos bem definidos e tendo em atenção principalmente a tecnologia de reprodução por estamparia.
4) Apresentação dos resultados do trabalho numa exposição.
BREVES NOTAS COMPARATIVAS
ENTRE O DESENHO TÊXTIL E O DESENHO DE AZULEJO
Tanto o desenho de azulejo como o desenho têxtil têm uma base modular e repetitiva. No entanto as regras de repetição do módulo num e noutro tipo de suportes variam por razões técnicas.
O azulejo é, como se sabe, um suporte de cerâmica geralmente quadrado que se usa para revestimento de superfícies interiores e exteriores de edifícios. Ë aplicado um a um e isso permite a colocação do módulo do desenho em várias posições formando efeito decorativos diferentes, a que se pode chamar PADRÕES.
Existem de facto padrões que resultam ,da colocação do módulo sempre na mesma posição (A) ou da sua rotação em torno de um dos vértices (B). Neste caso podem originar-se padrões com dois ou mais centros ópticos. Outros padrões são constituídos por dois módulos que podem eles próprios combinar-se em várias posições (C) formando geralmente efeitos marcados horizontal ou verticalmente. Há ainda padrões de 4 módulos e ainda maiores (D) que resultam em grande complexidade decorativa.
No desenho têxtil para estamparia o caso é todavia diferente. Ë que o desenho modular vai ser transposto para uma superfície: a peça de tecido que tem a largura fixa (entre 1 m e a 2 m) e um comprimento de algumas dezenas de metros. O processo de transferência do desenho permite apenas repetição do módulo quadrado ou rectangular na mesma posição, no sentido da largura e do comprimento do suporte. Trata-se portanto de uma repetição simples em sentidos perpendiculares devendo por isso o módulo corresponder inteiramente ao padrão decorativo final (E).
O desenhador têxtil deve produzir o módulo do efeito que se formará pela repetição ortogonal desse módulo. No entanto os limites desse módulo desaparecerão e o efeito será contínuo e sem fragmentações.
Uma relação entre o desenho de azulejo e o desenho têxtil deve tomar em consideração esta condicionante do desenho têxtil e estudar os padrões de azulejo apenas como fontes de motivos (totais ou parciais) que deverão ser desenvolvidos numa linguagem visual adequada ao tecido. Deve-se também ter presente que o tecido se destina a ser usado em áreas parcelas compondo um outro conjunto: o modelo ou figurino que se destina a cobrir corpos humanos em movimento, como é o caso dos tecidos para vestuário.
A linguagem do desenho têxtil deve ser por isso muito mais dinâmica e fluida que a linguagem do desenho do azulejo. Tal dinamismo pode obter-se no entanto a partir de motivos típicos do azulejo que agora deverão ser tratados pelo desenhador com vista às características da sua nova utilização: os tecidos e os seus variados usos.
Há portanto razões técnicas e razões funcionais a condicionar o trabalho têxtil a que se vêm juntar as razões económicas limitando o número de cores, pois a cada cor corresponde geralmente um quadro de estampagem que e necessário abrir (estamparia lionesa). No entanto as possibilidades cromáticas são muito mais amplas do que as cores geralmente usadas nos azulejos. Devem ainda referir-se as imposições de carácter estético, estas directa e totalmente condicionadas por uma necessidade de renovação periódica, a curto prazo, a que se chama MODA. O desenho têxtil é efémero e dura apenas alguns meses, dentro do ciclo Primavera-Verão e Outono-Inverno, exigindo do desenhador uma constante atenção e esforço de renovação. Igualmente o suporte tecido é delicado e de pouca duração, contrariamente à cerâmica e aos suportes dos azulejos que são estáticos e duram dezenas de anos ou mesmo até alguns séculos.
O trabalho do desenhador têxtil é pois interminável, entre as formas e as cores envelhecidos pelo consumo e as novas propostas da moda da próxima estação. A pesquisa de fontes para o desenho têxtil faz parte dessa dialéctica entre o passado e o futuro.
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